Poemas

ALBEDO

Mirava-se no espelho querendo guardar-se lá.
Seus olhos achavam companhia,
a única no meio de tanta solidão e esperança.
Olhava-se todos os dias,
sem julgar o que lhe era refletido,
sem arcar com as consequências da ausência
no resto do mundo.
Todos os dias colocava mais de si no espelho
e subia-lhe mais a ânsia de dá-lo de presente
àquela que o cativara.

Por anos a fio fez a mesma coisa e,
quando julgou preencher totalmente
a possibilidade do espelho,
embrulhou-o em seda fina como um presente.
Correu para dar àquela seu mais precioso legado –
si próprio, refletido ao longo dos anos.

Atônita, a mulher abriu o presente, dado sem respiração.
Mais atônita ainda viu-se no espelho,
boca aberta e coração fechando.

Insensível,
nunca percebeu que o homem se esvaía diante de si,
desfazendo-se no éter,
julgando que o pequeno espelho o preservaria.

Insensível,
olhava o espelho e via a si mesma somente.

SAUDADES
Chamo-te pelo nome,
As tenebras respondem
Teu anverso

FICTIUS

Pensamentos tão pequenos grandes pequenos
Como um pequeno touro
De ouro
Passeando na palma da minha mão

SONO

À noite abro minhas asas
Tão grandes, tão frágeis
Quanto um toque de vento
Onisciente de ecos.

De tanto voar nada mais sinto;
Mas… não é hora de acordar:
Agora minha alma passeia.

AMORIS MORBUS

Vindo na bruma flanando encoberto
De olhos cerrados vítreos fixos noturnos
Em leve toque pelo vão adentro.

De peles aberta ansiosa e muda
Recostada, não respiro –

espreito a presa desnuda –
E em suave lento giro
Pousa o desejo em felino cuidado
Sobre meu dorso hirto.
Morta fico, súcubo domado
Em lívida morte aflita uivo sumido no tempo
Minha boca fria de beijos
No mouro líquido negro
Rasga lento e suave
As costas, flanco em pêlo
Com prudentes cordas finas,
Viperino andar

Cortes delicados – o sangue vertente
– raro filtro gelado.

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