Casas vazias

Eu tinha que tirar os pelos de gato que grudaram na vassoura; tem um pouco de sangue, também. Será que alguém desconfiaria que eu varri um cadáver? Acho que não; isso não existe nos anais – só acho, não tenho certeza de nada.

Só sei que tirei o máximo que pude das memórias da casa, cuidadosamente, pacientemente, para dentro da pá de lixo e depois no cesto de lixo. Tudo lixo, tudo terminado.

A casa ficou grande depois que a mudança saiu. Nas paredes, os retângulos mais claros de onde eram quadros pendurados, algumas rachaduras, cocô de mosca aqui e ali. E o eco dos lares vazios. Existem os ecos de boas-vindas dos imóveis a serem preenchidos, ecos meio estranhos. Os das casas esvaziadas recentemente são mais tristes, por não terem mais onde se esconder ou imitar. Mas têm o tom dos animais que se achavam presos por muitos anos e que de repente são libertos. Alegres, assustados, esperançosos. Só depois de um tempo de quarentena é que esses ecos se acostumam à sua liberdade, caindo no tédio e ansiando por novos desafios. Só então as pessoas se tornam bem-vindas por eles, nunca antes.

Tal como os namoros, as casas precisam do isolamento da separação para transformar as feridas da convivência em aprendizado.

Há casas que assim se tornam muito, muito sábias, mas nesse estágio prescindem dos humanos bobinhos cuja longevidade é ainda menor do que de alguns encanamentos. Por isso vêm as reclamações, os resmungos causados pelos pés novamente trilhando o piso, o fastio causado pelas vozes, risos, choros, gritos e roncos.

Deixemos essas criaturas habitáveis escolherem seus donos como o fazem alguns gatos; assim evitamos desentendimentos desnecessários.

 

06 de junho de 2015

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